As pesquisas desenvolvidas pelo projeto integrativo Segurança Socioambiental, da Rede Clima, são tema do artigo The socio-ecological Nexus+ approach used by the Brazilian Research Network on Global Climate Change, que acaba de ser publicado na revista Current Opinion in Environmental Sustainability (ScienceDirect). O trabalho tem como foco a construção de pesquisas de causa e efeito das mudanças climáticas sob a perspectiva do ‘Nexus+’, considerando o valor agregado da flexibilidade e adaptabilidade do conceito.
O artigo, que tem como primeiro autor o pesquisador Moacyr Araujo (UFPE), coordenador da Rede Clima, baseia-se na literatura Nexus e a um estudo de caso na Bacia do Rio São Francisco. Os autores propõem um pilar adicional à abordagem Nexus – a segurança socioecológica, que pode ser definida como uma dimensão político-territorial de sistemas sociais e ecológicos acoplados. Um quadro colaborativo de práticas de pesquisa foi aplicado à região do estudo, um ponto crítico de vulnerabilidade climática no Brasil.
Os resultados dos trabalhos indicam a importância de enfatizar as interfaces entre os setores do nexo água-energia-alimento a partir de uma perspectiva socioecológica e territorial, aplicando uma abordagem de pesquisa bottom-up, que permita destacar fragilidades políticas. As possíveis soluções incluem a implementação de uma abordagem Nexus+ que promova a cocriação de uma plataforma abrangente de informações, bem como mecanismos efetivos de participação social na elaboração e implementação de políticas, para que os desequilíbrios entre grupos sociais possam ser tratados adequadamente.
Segundo os autores, a abordagem do Nexus sobre segurança alimentar, hídrica e energética ganhou crescente capilaridade nas agendas internacionais e nacionais. Embora tenha produzido muitas investigações teóricas, a aplicação do Nexus a regiões específicas ainda precisa demonstrar sua capacidade de estruturar análises para informar a tomada de decisões concretas, especialmente nos países em desenvolvimento que sofrem os impactos negativos das mudanças climáticas.
Essa habilidade empírica foi testada pelos pesquisadores da Rede Clima, em estudos na região semiárida do Brasil, ao longo da bacia do rio São Francisco. A aplicação da abordagem Nexus ‘mainstream’ (restrita ao estudo das sinergias e trade-offs entre os setores de alimento, água e energia) revelou-se muito limitada – especialmente no nível do governo local – por questões epistemológicas e práticas, como como baixa capacidade institucional local (incluindo descontinuidade de políticas), desequilíbrios na participação social e falta de transparência das informações. Essa limitação foi destacada nas entrevistas realizadas com familiares de pequenos agricultores e representantes de populações indígenas na região do estudo, como parte da avaliação de segurança socioeconômica do Nexus+.
O estudo considerou uma extensão de 17 municípios socioecologicamente contrastantes, localizados nos estados de Pernambuco e Bahia, sob a influência do reservatório da represa de Sobradinho. Nessa região, a agricultura compreende um complexo mosaico de atividades, incluindo perímetros irrigados, juntamente com sistemas agrícolas de pequena escala e meios de subsistência altamente diversificados, como pesca, apicultura, agricultura de subsistência, gado (principalmente cabras) e extração de espécies nativas. A seleção das partes interessadas e territórios do estudo seguiu um mapeamento de cerca de 600 políticas públicas dedicadas a água, energia e alimentos em diferentes escalas.
Para adicionar o ‘quarto’ eixo da análise (segurança socioecológica), o inventário de políticas resultante foi refinado através da aplicação de entrevistas semiestruturadas e oficinas com representantes de organizações governamentais e não-governamentais, que expressam suas percepções pessoais sobre as ações mais relevantes e os principais desafios políticos a partir da perspectiva do Nexus+. No total, foram realizadas 100 entrevistas em 17 municípios (10 em Pernambuco e 7 na Bahia) com representantes de seis grupos sociais diferentes, em áreas rurais e periurbanas – pequenos agricultores, quilombolas, comunidades indígenas, comunidades que ainda praticam o uso coletivo de pastagens (fundos de pasto), coletores de resíduos recicláveis e representantes de diversas organizações, como CBHSF, Embrapa, Univasf, IRPAA, COOPERCUC, APOINME, entre outros.
Dadas as condições climáticas adversas, as entrevistas procuraram ir além da abordagem da água, energia e alimentos e explorar questões de segurança socioecológica, como posse da terra, sistemas habitacionais, família, água, meio ambiente, saúde, alimentos, energia, trabalho, mobilidade e migração. Os participantes foram encorajados a fornecer detalhes de suas percepções pessoais e estratégias de enfrentamento.
As informações coletadas foram usadas como dados primários para uma análise qualitativa do contexto de vulnerabilidade – exposição, sensibilidade e capacidade de adaptação – no nível familiar e no cenário regional (político-institucional). Os impactos percebidos da seca na vida dos atores e no processo de tomada de decisão foram comparados com dados secundários sobre os impactos climáticos regionais extraídos de artigos revisados por pares e bancos de dados oficiais, como o Censo Agropecuário, as pesquisas agrícolas anuais do IBGE, o Atlas Brasil do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), entre outros.
Saiba mais sobre o projeto integrativo Segurança Socioambiental
Por Ana Paula Soares, da Rede Clima